Governo vence eleições regionais na Venezuela. Mas oposição conquista regiões importantes e busca se dissociar da imagem de golpista. Chávez segue com apoio da maioria da população, mas sociedade mais nuançada expressa avanço da democracia e apresenta um quadro diferente dos anos anteriores. A análise é de Gilberto Maringoni.
As eleições regionais deste domingo (24) na Venezuela representaram uma expressiva vitória do governo, que ganhou a disputa em pelo menos 18 dos 23 Estados. Mais de 5,6 milhões de eleitores votaram a favor do PSUV, enquanto que em dezembro de 2007, no referendo para aprovar a reforma constitucional proposta pelo presidente Hugo Chávez, o governo recebeu 4,4 milhões de votos. Após dez anos e 14 eleições, o governo exibe uma surpreendente margem de aprovação. Estavam em disputa 23 governos, 328 prefeituras, além de 233 cadeiras em legislativos regionais.
No entanto, tais resultados numéricos não podem esconder debilidades sérias no processo político venezuelano. Elas ficaram caras desde pelo menos o referendo. Como se sabe, naquela ocasião, as alterações legais propostas pelo governo foram derrotada por pequena margem.
Plebiscito em questão
Chávez, mais uma vez, apostou na tática eleitoral que lhe garantiu doze vitórias entre 1998 e 2006: transformar as eleições em um plebiscito entre seu governo e a “oposição golpista”, segundo suas palavras. Assim, qualquer vitória reveste-se de características com repercussões nacionais e até mesmo internacionais. E qualquer derrota significa colocar em questão todo o processo que lidera.
Os candidatos governistas perderam em Estados muito importantes. Zulia, já governado por Manuel Rosales há dois mandatos, permanece com a oposição. É ali que se situa o estratégico lago Maracaibo, responsável por quase 80% da produção petroleira nacional. Rosales disputou as eleições presidenciais em 2006 e perdeu de Chávez por 62% a 36%. Seu tento foi lograr unificar uma oposição de direita fragmentada e dispersa, após sucessivas derrotas. Rosales deve ganhar a prefeitura da capital do Estado, Maracaibo, além de fazer o sucessor no Estado. Ou seja, a região mais rica do país está com a oposição e seu principal líder sai vitorioso das urnas.
Outra derrota aconteceu no Estado Miranda, região rica próxima a Caracas. Ali, várias denúncias de ineficiência administrativa e mesmo de corrupção no governo do ex-vice Presidente da República, Diosdado Cabello, levaram a chapa governista à lona.
Na Alcaydia Mayor, o mais populoso dos quatro municípios que compõem Caracas, a derrota oficial é duplamente simbólica. A primeira marca é o candidato chavista Aristóbulo Isturiz. Ele se notabilizou, em 1992, por defender solitariamente na então Câmara dos Deputados, os jovens oficiais das forças armadas, liderados por Chávez, que tentaram um golpe contra o governo de Carlos Andrés Perez. O segundo símbolo é a derrota em Petare, imensa favela da capital, um dos focos da resistência popular ao golpe de 2002. Assustadores índices de violência e desordem administrativa redundaram em desgaste das gestões municipais dos apoiadores de Chávez. A Alcaydia Mayor foi também crucial na articulação do golpe. Comandada na época por Alfredo Pena, dali partiram as forças repressoras que ajudaram a consolidar a breve interrupção do processo democrático.
Em Nova Esparta, a derrota era admitida de antemão pelo governo.
Desordem administrativa
A desordem administrativa contou muitos pontos contra o governo. Lixo nas ruas, iluminação pública deficiente e problemas na gestão das missões sociais acumularam desgaste para um governo que buscou reverter um quadro de declínio dos serviços públicos na última década. Como exemplo, vale citar o relatório da ONG Provea, de defesa de direitos humanos, assim avalia este aspecto:
A situação do direito à saúde continua caracterizando-se pela coexistência de dois sistemas, o tradicional, formado entre outros, por ambulatórios e hospitais e o da Missão Bairro Adentro (BA). (...) O sistema de saúde segue fragmentado e desarticulado, com falhas estruturais. (...) Para o ano de 2007, o orçamento destinado (...) à saúde foi de 4,42 bilhões de bolívares, o que revela uma queda em relação ao ano anterior, quando o orçamento alcanço 5,01 bilhões de bolívares.
(http://www.derechos.org.ve/publicaciones/infanual/2006_07/pdf/07salud.pdf pág. 156).
O governo segue com o apoio da maioria da população, mas a situação do país apresenta várias nuances. Insistir na linha plebiscitária é algo que não leva em conta o surgimento, em 2007, de uma direita não golpista (porque a tática mostrou-se ineficiente). Se até ali, Chávez obtivera sucesso em chamar seus detratores de “lacaios do Império”, o aprofundamento da democracia no país gerou uma sociedade cada vez mais complexa e nuançada.
Esta nova oposição, assentada nas mesmas bases sociais da anterior – meios de comunicação, poder econômico e governo dos EUA –, ao que tudo indica, muda qualitativamente o panorama político. Possivelmente, o discurso chavista terá de se reciclar. Até ali, valeu mais acentuar uma polarização, na qual estariam de um lado o povo e do outro o imperialismo norte-americano. A situação mostrou-se verdadeira por várias vezes.
Imperialismo cordial
A interferência estadunidense na política interna da Venezuela aconteceu durante todo o século XX e no início deste. Mas ela nem sempre se valeu das mesmas formas de intervenção. A partir de 2009, os Estados Unidos não terão, pelo menos na aparência, um falcão da direita, como George W. Bush na Casa Branca. Barack Obama encarna uma espécie de “imperialismo cordial”, diante do qual a luta política deverá ser mais sofisticada.
Perderam força os setores golpistas, remanescentes da trapalhada palaciana de 2002. Tais grupos vinham conseguindo manter sua hegemonia entre os antichavistas desde aquela época. Por extrema inabilidade, fizeram o que Chávez queria e apresentaram-se como opositores de conquistas reais por parte da população. Perderam espaço para novos atores, organizados em torno de um movimento estudantil que tenta romper pelo menos aparentemente os laços com a oposição tradicional.
Há um outro setor, composto por dissidentes do Chavismo, como o ex-general Raul Isaías Baduel, aliado histórico de Chávez, com quem rompeu há pouco mais de um ano. O comportamento dessas facções, no médio prazo, definirá muito do futuro da oposição, a quem ainda faltam líderes populares de peso.
Em outras palavras, Chávez tem diante de si um quadro diferente dos anos anteriores. É algo novo em um cenário anteriormente polarizado, no qual o Presidentte soube se movimentar com desenvoltura. A situação exige maior tolerância e habilidade política.
Economia
Boa parte da imprensa internacional começa a dizer que Chávez vive seu ocaso. Um exagero. Mas o quadro tendencial, de queda de sua popularidade, se reafirma. Possivelmente se as eleições fossem realizadas no primeiro trimestre de 2009, quando os efeitos da crise internacional se mostrarem mais evidentes, o resultado poderia ser pior. O PIB do terceiro trimestre de 2008 apresentou uma variação positiva de 4,6%, quase dois pontos menor que a de igual período do ano passado. O ano deve fechar com crescimento de 5,4%, bem abaixo dos quase 7% de 2007 (www.bcv.gov.ve). A revista inglesa Economist ) prevê crescimento de apenas 2,4% em 2009, um desastre anunciado para os programas sociais e para a ação do Estado. O petróleo está em U$ 40, diante de uma previsão orçamentária para o ano que vem de U$ 80. Ou seja, haverá menos dinheiro no orçamento e a diplomacia petroleira de Chávez, que lhe valeu amplo respaldo internacional nos últimos três anos, terá seu raio de ação limitado.
O embate segue. Cada um dos lados buscará exaltar seus êxitos nas urnas. Tudo indica que o quadro mudará bastante nos próximos meses.
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